Leucócitos,
Trombócitos,
Hemácias de meu corpo,
é forçoso admitir:
teu sangue é sangue de poeta!
O coração mole que o bombeia
não é capaz de levá-lo ao longínquo córtex pré-frontal,
onde a razão impera, cartesiana e irredutível.
Teu sangue é sangue de poeta,
dado aos sentidos e às extremidades.
A começar pelos pés, sempre irrigados
e aptos a correr atrás do amor fugidio,
que se vai pelas frestas,
que se esconde embaixo das camas,
que corre e sorri, cínico e satisfeito.
E as mãos:
importantíssimo supri-las
com o sangue mais oxigenado que há,
para que a pele macia da amada
não escape a nenhum toque,
para que os cabelos da amada
escorram lisos por entre os dedos,
para que a poesia se materialize em versos.
O que falar ainda dos olhos do poeta?
Não lhes pode faltar o elemento capaz de deixá-los alertas,
ávidos a reconhecer o amor de uma vida inteira
na estranha que dobra a esquina
e que a passos lentos e certos vem, vem e vem.
Paremos por aqui para não sermos indelicados,
mas saibamos que nenhuma beleza pode escapar
e todo o sentimento deve contemplar o teu sangue,
que extravasa em rios de dor ou de prazer.
Afinal, teu sangue é sangue de poeta,
faltam-lhe anticorpos e anticoagulantes,
sobra-lhe rebeldia
e não há vergonha alguma em reconhecer.
O melhor a fazer é se acostumar à realidade de nossas veias e artérias,
contemplar a noite e amar,
pois de amor somos feitos
e ao amor voltaremos,
sempre que teu sangue de poeta clamar,
da cabeça aos pés.